29.5.04


TRAMPIN'- Patti Smith

Desde que me entendo por gente que entende um pouco de música, ouço falar em Patti Smith e seu clássico álbum "Horses". Sempre me pareceu uma daquelas artistas que os críticos adoram exaltar, porém praticamente desconhecida do grande público. Mas, por curiosidade, coloquei minhas mãos em uma cópia deste álbum há alguns anos atrás para nunca mais me desgrudar dela e perceber que os críticos nem sempre tem opiniões obscuras. Gravado em 1975, é uma espécie de embrião do movimento punk na América do Norte, ainda que com uma grande diferença : Patti Smith, além de entender bastante de música, é uma senhora poetisa e neste álbum nos presenteou com algumas das melhores letras do cancioneiro popular norte-americano. A partir daí, entendi o porquê de ela ser comparada frequentemente com Bob Dylan, Neil Young e Bruce Springsteen.

Dito isto, saltamos nada mais nada menos do que 29 anos no tempo e chegamos a "Trampin'", seu mais recente trabalho. Se não fosse por nada mais, ele seria festejado por ser um belo trabalho de alguém que neste tempo todo de carreira lançou "apenas" 9 discos. Mas a coisa não fica por aí. Aos 57 anos, Patti Smith mantém intactas como poucos a habilidade de escrever letras maravilhosas e esporrar acordes barulhentos de uma guitarras, contando com o auxílio precioso de uma verdadeira lenda viva do assunto : Lenny Kaye. As duas faixas-épicas do álbum, "Gandhi" e "Radio Baghdad" são os dois melhores exemplos disto, mas o petardo sonoro também é composto de baladas, como as lindas "Trespasses" e "Cartwheels". Em outras, como "My Blakean Years", a influência da sonoridade neilyounguiana fica ainda mais explícita.

Além disto tudo, o belo projeto gráfico faz com que "Trampin'" seja um trabalho comparável aos melhores momentos de sua autora. Pode não ser melhor que "Horses" ou ainda conter uma canção de forte apelo pop como a clássica "Because The Night", mas o álbum é um dos bons lançamentos de um ainda fraco 2004 e que cresce a cada audição, especialmente se degustado no clima certo. Experimente ouvi-lo num dia frio e chuvoso como o de hoje e saberás do que estou falando.
Acabo de ler que a revista "Q" elegeu o álbum de estréia do Oasis, "Definitely Maybe" como o melhor disco britânico da histórica, ficando à frente de Beatles, com "Revolver" ( em 2º ) e "Never Mind The Bollocks", dos Sex Pistols ( em 3º ), além de gente como David Bowie, Stones, Led Zeppelin, Smiths, Pink Floyd e Radiohead, dentre outros.

Fico pensando no significado disto. É impressionante como a imprensa inglesa tem a necessidade de ser diferente, ainda que não encontre motivos reais para isto. A todo momento, a "next big thing" aparece nas páginas dos semanários e revistas, para na semana seguinte ser descartada por outra. E assim sendo, vai descartando os ídolos, trabalhos e gênios do passado para dar lugar a outros que ainda não disseram a que vieram. Claro que este não é o caso do Oasis - que já disse a que veio, ainda que muita gente não tenha ouvido - mas daí a colocá-los à frente de pelo menos 6 artistas que têm trabalhos infinitamente mais relevantes do que eles, é um pouco demais.

Dizem que o Brasil é um país sem memória, mas em se tratando de imprensa musical britânica, esta frase seria muito bem aplicada a eles.

20.5.04


YOU ARE THE QUARRY - Morrissey

Para muitos, ele é o maior inglês vivo. Para outros, é aquele cara que ficava na frente de uma banda chamada The Smiths, com flores nos bolsos bradando hinos da depressão e desilusão. Para outros tantos, ele é apenas Steven Patrick Morrissey, um dos caras mais legais do mundo e que - não importa o tempo que fiquemos sem notícias dele – sempre será respeitado e idolatrado. Para uma outra grande parcela do público, ele é o eterno ex-vocalista dos Smiths. Que bom.

Um dos compositores mais prolíficos da história da música pop ironicamente ficou 7 anos sem gravar um disco de inéditas. Os motivos para isto são muitos : falta de uma gravadora, período de reclusão, dedicação full time a outros projetos. Ou então, nada disso. Seja lá o que for, jamais poderemos dizer que Morrissey ficou tanto tempo sem dar as caras por falta do que dizer.

“You Are The Quarry” já está sendo apontado como o segundo melhor disco de sua carreira solo, depois de sua espetacular estréia como “Viva Hate”. Àquela época, ele havia acabado de desfazer sua banda de origem e uma das maiores bandas de todos os tempos, os Smiths. E não deve ter sido fácil. Se num primeiro momento os fãs e admiradores acharam que isso fosse o fim, Morrissey soube construir uma carreira solo tão bem sucedida quanto no período em que dividia os louros com Johnny Marr, Mike Joyce e Andy Rourke.

Mas quais seriam os motivos de tanta idolatria e reverência a este cidadão de Manchester e do mundo ? Pra começar, que outro cara iniciaria um álbum com a frase “América sua cabeça é grande demais / Porque América seu umbigo é grande demais” criticando o país que o acolheu há muitos e muitos anos, para logo na segunda faixa ( “Irish Blood English Heart” ) demonstrar todo seu amor por sua terra natal ? E que outro cara ainda enfiaria na sequência uma faixa em que diz que foi desprezado por Jesus, mas o perdoou ?

Morrissey ainda passeia pelo amor de várias formas, como em “Come Back to Camden” ( prima-irmã de “Late Night Maudlin Street” ) e “Let Me Kiss You” e trabalha com imagens de seu cotidiano ou quem sabe oriundas de alguma de suas grandes influências, como “All The Lazy Dykes” e “First of The Gang To Die”. Tudo isto ambientado por uma parte musical que reconstrói alguns dos melhores momentos do brit pop ( gênero que ele ajudou a criar, ao lado de Johnny Marr ) e mistura com quartetos de cordas, sons indefinidos e efeitos que dão o tom exato das canções. Morrissey sabe como poucos o que é necessário para uma canção pop atingir a perfeição.

Se é o melhor trabalho do bardo ( sim, bardo. Por que não ? ) depois de “Viva Hate”, não sei. Ainda tenho uma predileção toda especial por “Your Arsenal”. Mas com certeza é um álbum que cresce a cada audição e pode ocupar este posto em breve.

10.5.04



Se não fosse por mais nada, a minha ida ao Curitiba Pop Festival já teria valido apenas para rever a cidade que conheci há 15 anos atrás, durante uma noite apenas. Cidade linda, charmosa, bem cuidada, limpa e cheia de pontos altos. Mas com certeza, o principal neste final de semana ( na minha opinião e, com certeza, na de mais ou menos 8 mil pessoas ) foi o fato de a cidade ser a sede de mais uma edição daquele que já está sendo considerado “o maior evento indie do país”.



Minha intenção era chegar cedo para conhecer o local e a estrutura. Confesso que fiquei abobado. A Pedreira Paulo Leminski é sem dúvida alguma o local mais bonito para shows do país e quem sabe do mundo. Quem não gostaria de assistir ao show de sua banda predileta cercado por árvores, tendo um lago e uma cascata ao fundo ? Fiquei imaginando que figuraças como Morrissey e Paul McCartney já se apresentaram ali para alguns milhares de felizes curitibanos.

Os shows começaram com um atraso de meia hora. Apesar de a escalação nacional ter sido bastante criticada ( foi com certeza inferior à do ano passado ), algumas boas surpresas apareceram. Na sexta-feira, elas atenderam pelos nomes de Pipodélica e Sonic Jr. Foram os únicos que realmente atraíram minha atenção. O primeiro, pelo psicodelismo e domínio de palco e o segundo pela mistura eletrônica-regional. O resto foi o resto. Num geral, as bandas que se apresentaram no CPF 2004 padeceram do mal “muito palco para pouca banda”. Não que elas sejam pequenas ou ruins, mas todas estão acostumadas a se apresentar para platéias bem menores e se perderam na mega-estrutura do festival.

Aí veio a tal Hell on Wheels. Fiquei me perguntando de onde surgiu aquilo e o porquê daquela banda estar ali se apresentando, já que ninguém a conhecia e tampouco estavam gostando. Felizmente durou pouco. E na sequência, a primeira grande atração do festival, e um dos motivos da minha ida a Curitiba : o Teenage Fanclub.

Nunca fui um fã hardcore do Tineijão, mas aprendi a gostar há bem pouco tempo. Mais do que depressa, reparei alguns erros históricos e adquiri todos os álbuns da banda ( antes disso, possuía apenas o “Songs From Nothern Britain” ). Fui preparado para o show e não saí de lá decepcionado. Muito pelo contrário. O Teenage Fanclub já havia feito um show em Recife e três em São Paulo, antes desta apresentação em Curitiba. Já sabia das preferências do público e mandou ver nos clássicos. “Star Sign”, “What You Do To Me”, “Sparky’s Dream”, “Neil Jung”, “I Need Direction”, “The Concept” e inúmeras outras fizeram a alegria do público presente ( menos do que o esperado ) e esquentaram os corações dos fãs àquela altura gelados pelo frio que baixou sobre o local. O quarteto ( em alguns momentos quinteto, com a adição de um tecladista ) parecia bem à vontade e feliz por estar ali proporcionando bons momentos musicais para a tão carente comunidade indie brasileira.





E aí veio o sábado..



Decidi que não iria tão cedo para o festival no sábado. Desde o início, minha intenção em Curitiba era ver Teenage Fanclub e Pixies. O que viesse além disso seria lucro. Portanto, pra que me desgastar vendo bandas que com certeza verei novamente em outras quebradas ?

Daí, cheguei à Pedreira pouco depois das 21 horas a tempo de pegar o show do Mombojó. O disco é muito bom, mas o show foi apenas. Mais uma vítima da síndrome do palco grande. O vocalista Felipe dançava a lá Renato Russo, parecendo querer preencher os espaços do palco. Mesmo assim, o Mombojó deixou uma boa impressão e uma vontade de querer vê-los em breve num local menor.

Na sequência, aquele que seria o melhor show do festival, descontadas as duas atrações principais : Frank Jorge, Wander Wildner e Flu. Quem, em sã consciência, consegue resistir aos clássicos de suas bandas de origem ( Graforréia Xilarmônica, De Falla e Replicantes ) e até de suas carreiras solo ? “Menstruada”, “Lugar do Caralho”, “Surfista Calhorda”, “Eu” e tantos outros foram entoados como hinos pela multidão ( àquela altura, a Pedreira já estava com um público bem superior ao do dia anterior ) e foram executados com maestria e despojamento pela banda que, ao contrário das demais, soube aproveitar o fato de estar num festival e preencher todos os tais espaços do palco. Showzaço.

Depois, os PinUps, reunidos para esta apresentação. Nunca fui fã da banda, portanto não me agradou. Lá pelas tantas, vi a baixista e vocalista Alê pedindo para a produção do evento permitir que eles tocassem mais duas canções. Mas àquela altura do campeonato, o público só queria uma coisa : Pixies.

Não sei se vocês – fãs da boa música - já tiveram a agradável sensação de estar assistindo a um show de sua banda predileta no auge de sua forma. Eu já e vivi isto novamente na madrugada de sábado para domingo, na Pedreira Paulo Leminski, quando Frank Black, Kim Deal, Joey Santiago e David Lovering subiram ao palco do Curitiba Pop Festival para repararem um erro de mais de 10 anos e finalmente se apresentarem em terras brasileiras. Tudo bem que a banda terminou e voltou agora para uma turnê caça-níqueis. Mas se isto é caça-níqueis, eu quero é morar num cassino. A verdade é que a banda está em plena forma e nem parece que ficaram muito tempo inativos. A explicação para isto não interessa. O que importa é que a história do showbiz brasileiro não será a mesma depois do show dos Pixies.

Sem conversar muito, abriram com “Bone Machine” e foram pouco a pouco desfilando seu interminável rol de hits. “Monkey Gone To Heaven”, “Hey”, “Gigantic”, “Debaser”, “Wave of Mutilation”, “Where’s My Mind”, “Isla de Encanta”, “Velouria”, “Here Comes Your Man” e tantos outros clássicos fizeram muitos fãs chorarem e tantos outros pensarem na famosa frase do finado Kurt Cobain, que ao descrever sua “Smells Like Teen Spirit”, declarou que estava apenas tentando fazer uma canção à moda pixieana. Encerraram com “Planet of Sound”, que foi visivelmente solicitada por Kim Deal para os companheiros de banda. Talvez pelo fato de ela estar curtindo o momento com a multidão. Fã da própria banda ? Por que não ?

A máxima do “me faltam palavras para descrever” é perfeitamente aplicável ao momento. Eu poderia aqui colocar inúmeros adjetivos como “sublime”, “espetacular”, “inesquecível”, “mágico”, mas nenhum deles seria suficiente para resumir o clima que ali reinava. O Curitiba Pop Festival 2004, em especial o show do Pixies, reafirmou minha paixão pela música e me fez perceber o porquê de gostar tanto desta cachaça. Ouvir um bom disco, ver um bom show, me faz relembrar de minha infância e de como ganhar um brinquedo era bom. A sensação é a mesma.









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