10.2.05



LIVE AID

Talvez seja difícil explicar para as novas gerações o que foi o Live Aid. Assim como muitos guardiões de gerações passadas encontram dificuldades para explicar o que foram Woodstock, o Concerto Para Bangladesh e tantos outros que hoje fazem parte das mentes e corações dos que os vivenciaram, além de estarem para sempre registrados nos livros de história, CDs, DVDs e qualquer mídia que vier a ser criada para que futuras gerações possam ter contato.

O difícil neste caso é ir além dos livros, CDs e DVDs. Para situar, estamos na década de 80 e o problema que mais aflige a humanidade é com certeza a fome e a pobreza dos países africanos. Até aí tudo bem. Hoje, a fome continua assolando os países africanos e se estendeu por muitos outros asiáticos e até da América do Sul. Entidades assistenciais se esforçam a cada minuto que passa para diminuir este mal que assola o mundo, através de iniciativas mil. A grande diferença naquele ano de 1984 foi que um cidadão inglês chamado Bob Geldof – mais conhecido na época por fazer parte de uma banda meio obscura no resto do mundo, o Boomtown Rats – assistiu a uma das muitas matérias produzidas pela BBC sobre o assunto e, sensibilizado, resolveu fazer algo. E como ele conhecia as pessoas certas, este algo ficou muito maior do que ele poderia imaginar.

Em primeiro lugar, ele reuniu alguns de seus amigos do meio musical para, numa noite histórica de novembro de 1984, gravarem uma canção cuja renda seria revertida para o combate à fome no mundo. “Do They Know It’s Christmas” reuniu alguns dos maiores nomes da música inglesa na época (a saber: Bono, Sting, Phil Collins, Paul Young, Simon LeBon e tantos outros) e causou um impacto tamanho no mundo, que os americanos resolveram "imitar" a idéia. Em janeiro de 1985 era lançado o USA For África, que nada mais era do que uma reunião de artistas norte-americanos com o mesmo intuito. A canção gravada, “We Are The World” é hoje sinônimo de chacota e considerada uma das canções mais melosas e bregas do cancioneiro popular, mas em 1985 ninguém pensava assim. O impacto foi muito maior.

Para Bob Geldof isso não era suficiente, e depois do sucesso em disco, faltava o show. Veio daí a idéia do Live Aid – um concerto que reunisse os maiores artistas do mundo em duas cidades (Londres e Philadelphia) simultaneamente, com renda dirigida para a causa. Era ambicioso, principalmente por conta da logística. O show na Inglaterra começaria cinco horas mais cedo (graças ao fuso horário), mas quando se “encontrassem”, seriam unidos em um só concerto, via satélite para o mundo e para os dois estádios. Daí, quando um artista estivesse se apresentando em Londres, o público da Philadelphia assistiria pelo telão, assim como o resto do mundo, e vice-versa.

A iniciativa deu certo, ABC, BBC e MTV compraram a história, tudo funcionou às mil maravilhas e o Live Aid aconteceu. A idéia era que o concerto durasse apenas durante aquelas horas. Não iria ser lançado nenhum álbum ao vivo, vídeo ou qualquer outro tipo de registro além do que ficasse nas memórias das pessoas. Mas graças aos deuses do rock, 20 anos depois, não só temos aqui o registro definitivo do evento, como é de tirar o fôlego.

Os 4 DVDs desta caixa não só mostram em todos os números o que foi o evento, como são o registro definitivo da música pop da década de 80. Praticamente todos os artistas que foram “alguém” naquela década estão ali. Por motivos óbvios, não foi possível colocar o evento na íntegra, já que cada um dos dois shows teve 12 horas de duração. Esta caixa é um “compacto”, mas nele estão incluídas todas as grandes performances que fizeram história e até mudaram o rumo da música pop.

Talvez a única ausência sentida seja a do Led Zeppelin, que se reuniu especialmente para o evento, contando com Phil Collins na bateria. Dizem as más línguas que eles não autorizaram a inclusão por não gostarem do resultado final. No mais, tudo está lá. A incendiária performance do U2 (com direito a dança com alguém da multidão - coisa que se tornaria frequente nos shows da banda dali em diante), que os apresentou para o mundo, o Queen mostrando porque reinava absoluto nos palcos mundiais naquela época, David Bowie tendo como apoio Thomas Dolby e sua banda, Sting arrancando para sua carreira solo, Phil Collins se tornando o primeiro ser humano a se apresentar num palco no mesmo dia em dois continentes diferentes (depois de seu show em Wembley, ele pegou o Concorde e voou para a Philadelphia), Dire Straits – que naquela época era sim uma banda legal – dominando o palco como poucos, Paul Young (quem?), Duran Duran, Pretenders, Beach Boys, Bob Dylan (visivelmente sem jeito e constrangido, ao lado de Keith Richards e Ron Wood), Elton John, George Michael, Paul McCartney, as revividas The Who e Black Sabbath (com um Ozzy beeeeem mais gordo do que seis meses antes no Rock In Rio), Judas Priest, Neil Young, Eric Clapton, Madonna (que ainda não tinha o domínio de palco que a faria gigante anos depois, mas já demonstrava segurança) e o dueto Mick Jagger/Tina Turner, que marcou época.

O som e a imagem – fundamentais para qualquer dvd – não são perfeitos. Talvez por culpa das câmeras da época, ou ainda por o evento não ter sido pensado para um possível registro futuro gravado, em muitos trechos o som é mal equalizado e as imagens ruins. Mas sinceramente, neste caso não importa. A importância histórica desta caixa é muito maior do que as imperfeições que fazem parte dela. A década está tão bem representada, seja na música, nas performances, nas roupas e cabelos (Um capítulo à parte. O troféu “cabelo mullets da década” vai para o Spandau Ballet, sem dúvida alguma.), nas atitudes e até nos artistas que tiveram lá seus 15 minutos de fama (por onde andam Nik Kershaw, Howard Jones, Kenny Loggins, REO Speedwagon e Thompson Twins????), que todo o resto se torna desinteressante.

Ainda assim, é difícil descrever o que representou o Live Aid para a década de 80. Não havia ali o acesso a MP3s, vídeos e tudo o mais de seu artista predileto. Portanto um evento desta grandeza era uma oportunidade ímpar para este contato. Além disso, se hoje as causas humanitárias fazem parte do dia-a-dia de muitas bandas que fazem o bem, é porque um dia um cidadão chamado Bob Geldof resolveu fazer a parte dele.

E, como se isso tudo não fosse suficiente, o dia 13 de julho passou a guardar uma polêmica: muitos dizem que esta data é hoje o Dia Mundial do Rock por coincidir com o dia de lançamento do primeiro disco de Elvis Presley, mas se minha memória não me engana, foi depois do Live Aid que esta data foi alçada a tal condição. Mais do que justo.

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