16.9.04
LET IT BED - Arnaldo Baptista
Estranho é o mínimo que se pode dizer deste álbum.
Depois de muito, mas muito tempo mesmo, sem gravar nada inédito, o mutante Arnaldo Baptista lança “Let It Bed”, que pode ser descrito como uma ação entre amigos, ou uma caridade feita por alguns fãs ardorosos em prol da saúde de Arnaldo.
Sim, porque Arnaldo é hoje uma pessoa reclusa, que vive em Juiz de Fora (MG ) ao lado da esposa Lucinha, que o ajuda de todas as formas a se recuperar da tentativa de suicídio, em 1982. Mito para muitos, louco para outros tantos, Arnaldo jamais deixou de influenciar músicos por todas as partes do mundo. Dois deles – John, do Pato Fu e Rubinho Troll, ex-parceiro de John no Sexo Explícito – resolveram ir além.
Os dois levaram para a casa de Arnaldo em Juiz de Fora uma parafernália eletrônica de registro de áudio e montaram uma espécie de estúdio caseiro, para que o mestre pudesse ficar bem à vontade ao criar suas melodias, letras e dar vazão à sua lisergia, ainda bastante intacta nos dias de hoje. Paralelo a isto, outra dupla de fãs, Daniel Albinatti e Fabiano Fonseca – do Andar Estúdio e do projeto Digitaria – também ofereceram seus serviços como uma forma de agradecer tudo que Arnaldo fez pelo bem da música.
O resultado é um álbum complexo, difícil, mas que traz em suas 12 faixas uma amostra de como a genialidade aliada à loucura pode produzir uma obra instigante. Da primeira à última faixa, o que ouvimos ( e sentimos ) é um músico com uma capacidade enorme de compor, mas nitidamente fragmentado ao registrar. Por conta disso, ao invés da produção propriamente dita, o trabalho de John, Rubinho, Daniel e Fabiano foi simplesmente de amarrar as muitas pontas sonoras despejadas por Arnaldo a todo momento. Subvertendo o próprio processo de feitura de um álbum, os 4 produtores conseguiram assim chegar a um denominador comum que não é outro senão a cara do próprio Arnaldo Baptista : contestador, inovador, experimental e porque não pop em muitos momentos.
“Let It Bed” é mais do que um álbum, é um acontecimento. Muitos o comparam com “Gettin’ in Over My Head’, o trabalho mais recente de Brian Wilson, dos Beach Boys, que também contou com a colaboração de inúmeros amigos famosos. Como Wilson, Arnaldo foi ao céu e ao inferno, mas retornou. Para escrever mais um capítulo de uma tortuosa carreira. Nunca a máxima “de médico e louco, todos tempos um pouco” foi tão bem parafraseada.
“De músico e louco, todos tempos um pouco”