20.8.04



MEDÚLLA – Bjork

No final da década de 80, uma cantora oriunda de um país gelado no norte, chamado Islândia atraiu a atenção do mundo com sua voz inigualável, capaz de alcançar notas altíssimas ( seria ela uma cantora lírica disfarçada ? ) à frente de uma banda que não encontrava similares àquela época : os Sugarcubes. O primeiro álbum da banda, Life’s Too Good” é nada menos do que um clássico. Mostrava uma banda capturando influências do punk, pós-punk e de toda a geração inglesa da década de 80 ( Smiths, Wedding Present, etc ), enquanto a pequena Bjork e sua voz ora reinavam absolutos lá na frente, ora faziam um contraponto à outra voz da banda, Einar Orn.

Os Sugarcubes acabaram algum tempo depois e Bjork partiu para a carreira solo. Desde então, ela tem flertado com jazz, rock, blues, soul, e todas as vertentes da música eletrônica para criar um som único a cada audição. “Post”, “Debut”, “Homogenic” e “Vespertine” são álbums do tipo “ame-os ou odeie-os”. O som de Bjork não é tão fácil de ser assimilado, mas é inegável que a pequena islandesa tem um talento inigualável e, se não cria, pelo menos adianta algumas tendências musicais que serão popularizadas algum tempo depois.

Por isso tudo e por muito mais, “Medúlla” chega cercado de expectativa. Primeiro, porque é um álbum de Bjork ( o primeiro em cinco anos ). Depois, porque as primeiras notícias que circularam sobre ele já davam conta de que seria antológico. Bjork havia decidido gravar um álbum somente com vozes. Vozes se sobrepondo a outras vozes, substituindo os instrumentos convencionais, mostrando seu poder. Muitos torceram o nariz para a idéia, mas admirar a coragem de Bjork em conceber e produzir um trabalho destes é o mínimo que se podia fazer.

Apesar de a proposta denotar experimentalismo, “Medúlla” é surpreendentemente um álbum de fácil assimilação para quem já conhece o trabalho da cantora. Ali estão os flertes eletrônicos de sempre, mas com a diferença que desta vez eles são construídos com camadas de vozes superpostas. O paradoxo fica então estabelecido : o eletrônico sendo produzido pelo elemento menos eletrônico que a música pode fornecer – a voz. Para tal, Bjork contou com a ajuda de figuras ímpares como Mike Patton, ex-Faith No More e atual Fantomas e de um louco japonês chamado Dokaka, que se especializou em gravar covers de canções somente com as vozes substituindo todos os instrumentos. O trabalho de Dokaka, apesar de ser bem diferente do de Bjork, parte do mesmo princípio e consegue uma unidade sem par com sua voz, produzindo um resultado fascinante.

À primeira audição, algumas canções se sobressaem. As faixas “Pleasure is all mine”, “Show me forgiveness”, “Where is the line” e “Triumph of the heart” aliam beleza, técnica impecável e um pouco de estranheza – como não poderia deixar de ser – para desembocarem em um resultado único. “Oceania” já tinha sido mostrada por Bjork na abertura das Olimpíadas de Atenas, mas no disco ela ganha força exatamente pela possibilidade de se prestar atenção a todos os detalhes.

“Medúlla” não vai agradar a gregos e troianos, como todos os trabalhos de Bjork, mas é desde já um marco na história da música, por ser corajoso, inovador, instigante e por buscar direções novas em meio ao marasmo que domina a cena pop mundial. Ainda bem que existem artistas como Bjork para nos lembrar que um dia estas características todas foram fundamentais para a evolução da música.

9.8.04



FESTIVAL ELETRONIKA 2004
5 a 8 de agosto
Marista Hall / Casa do Conde
Belo Horizonte - MG


Será leviano afirmar que o Eletronika é o principal festival de música eletrônica do país nos dias de hoje ? Muitos vão dizer que este título fica com o Skol Beats, outros dirão que o antigo Free Jazz, atual Tim Festival já conquistou este espaço, mas a verdade é que o Eletronika – festival criado em 1999 pela extinta Motor Music, e atualmente gerenciado por uma espécie de produtora-filhote, a Sacode – ostenta este título com louvor, por vários motivos.

O primeiro deles - e fator primordial para seu sucesso - é o fato de ele não ser uma grande festa, como o Skol Beats, ou simplesmente um palco para shows de artistas consagrados, como o Tim Festival. Desde seu início, a preocupação com o conceito ocupa lugar de destaque na programação, através dos inúmeros debates, workshops, palestras, e com certeza, em seu próprio line-up, que como o próprio subtítulo do festival anuncia, é bem mais uma plataforma de lançamentos, experimentos e novas tendências, do que simplesmente um spot para artistas consagrados “fazerem a cabeça da galera”.

Mas o lado “fazer a cabeça” também está presente no Eletronika. Em todas as edições, os principais djs do país vieram, tocaram e causaram furor. E é aí que a porca mais uma vez torce o rabo. A edição 2004, recém-terminada, deixou um nó nas cabeças dos produtores do evento, e outro nas do público. A fórmula “djs-que-levantam-multidões” não funcionou e as duas principais noites do evento estavam vazias. Será que ela se esgotou ? O público não está mais interessado nos chamados “pica-grossas” da música eletrônica, como Marky, Mau Mau, Patife e Anderson Noise ? Mas eles lotam clubes, casas noturnas e até estádios por onde quer que passem ! Por que não em Belo Horizonte ? O Eletronika continuará ostentando o título de principal festival de música eletrônica do país ? A seguir, os próximos capítulos.

Antes de tentar chegar a uma conclusão, vamos dar uma passeada pelo que de melhor aconteceu nos 4 dias do festival. Dividido em dois locais, o Eletronika 2004 ocupou a Casa do Conde Santa Marinha por 4 dias e o Marista Hall por dois. Na primeira, aconteceram os debates, workshops e os shows.....digamos....de menor público. Lá se apresentaram, entre outros, Totonho e os Cabra, Mombojó, De Leve, Mamelo Sound System, FAQ, Curumim, Labo, Digitaria, M. Takara, Pexbaa, Coletivo Universal, dentre outros. Mas pêra aí, meu camarada ? Você não disse que é um festival de música eletrônica ? Sim, eu disse, mas nos dias de hoje toda música é um pouco eletrônica, sacou ? Vamos colocar assim, então : o Eletronika é um festival de novas tendências musicais, que utilizam a eletrônica de alguma forma em seus trabalhos. Fica bem mais fácil compreender o porquê, o como e o quando do festival desta maneira.

Na Casa do Conde, tudo correu às mil maravilhas. Público interessado, clima de camaradagem geral, mistura de tribos, etc etc etc. Mas no Marista Hall, a coisa não esteve tão como esperado. A expectativa era de 5 mil pessoas/dia. Não deve ter chegado a 1.000/dia ( Jeff, Boffa, Aluizer, corrijam-me se estiver errado ). Mas onde foi o erro ? Na programação ? Bom, Marky, Xerxes, Patife, Mau Mau e Renato Lopes estavam lá. Tudo bem, tinha também Bojo e Maria Alcina ( puta show ), Dolores : Aparelhagem ( idem ), Bnegão e Seletores de Freqüência ( botaram todo mundo para chacoalhar o esqueleto ao som do “hino nacional” “Verdadeira Dança do Patinho” ) e outros artistas que não atraem tanto público assim, apesar de serem extremamente conceituados.

Muita gente reclamou do preço, mas me digam vocês : R$ 20,00 por uma noite destas não é um preço justo ? Menos do que isto é até desmerecer o trabalho dos artistas que ali se apresentaram. Bom, então o que restou ? O clima ? o mês de Agosto “cachorro-louco” ? Muitas opções na cidade ? Ameaças de bombas ou enxames de gafanhotos ?

Nada disso. Até agora não encontrei uma explicação possível para o fracasso. Já ouvi muitas. Que os djs “pica-grossas” antes se apresentavam na cidade uma vez por ano ( no Eletronika ) e agora vêm pelo menos 4 vezes por semestre. Que o Marista Hall não é o local apropriado ( não concordo ). Que o público não quer assistir a “novidades” como Bojo, Dolores e Gold Chains, misturados aos de sempre. Que o povo belorizontino é pão-duro e acha R$ 20,00 muito caro para um evento destes. Que o povo belorizontino está sem dinheiro. Etc, etc etc. Nenhuma destas “desculpas” me convenceu e continuo tentando encontrar uma explicação. A produção esteve mais uma vez impecável, os artistas foram de primeiríssima linha, o festival foi muito bem organizado e tal.

Chego a pensar que Belo Horizonte, depois de tanto tempo investindo nesta vocação eletrônica, não está preparada para o Eletronika. Talvez a cidade esteja mesmo perdendo o fio da meada e da história, e mais uma vez ficando para trás. Já se disse que o público belorizontino é dos mais difíceis do país ( daí o fato de a cidade ser um dos mercados-teste para lançamentos de produtos ), mas isto tem se agravado nos últimos tempos. Será que, anos depois, olharemos para trás e nos orgulharemos – tarde demais – do que foi feito, assim como muitas e muitas iniciativas que nasceram e morreram na praia ? Sinceramente, espero que não. Mas se acontecer, estarei preparado.

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